DESCOMPASSO TRIBUTÁRIO


Noticia o editorial de A Gazeta de 18/12/00, o pensamento contrário a intenção do Governo Federal em conceder cancelamento de dívida tributária da Kia Motors de débito de 215 milhões de dólares caso cumpra contrato de instalação de uma fábrica de carros no polo de Camaçari-BA, usufruindo alíquota menor no imposto de importação.

O fato em si convoca-nos ao debate outra situação antiga, correlata à inusitada idéia,  pendente de entendimento ao nível nacional. O contingente de empresas e pessoas físicas em débito tributário aos níveis municipais, estaduais, do distrito federal e da União Federal, soma número infinito. A maior parte, creio, em débito porque não amealhou recursos  suficientes ao tempo quer tinha para pagar o seu tributo. 

São pessoas honestas que enfrentam carga tributária que beira a 50% e não como se diz a 33% do PIB. Existem os sonegadores contumazes, aqueles que sonegam porque têm esta tendência patológica. Mas, a maioria é gente civil, civilizada, que embora não seja agradável, pagam ou pretendem pagar seus tributos em dia.

Acontece que o título do editorial ( anistia fiscal inaceitável) reacende um debate há muito esquecido, o das multas tributárias. Tema obscuro e inatingível, mereceu tese nossa de Mestrado na UFMG, para demonstrar que as multas pelo descumprimento de obrigações tributárias, além de não possuírem âncoras constitucionais explícitas, ficam ao talante do executivo a criá-las sem quaisquer limites ou condicionantes, estando os tributos muito mais limitados constitucionalmente ( legalidade, anterioridade, tipicidade, irretroatividade, etc...) importando as mesmas em percentuais que variam de 20% a 450% ora sobre o valor do imposto ora sobre o valor da mercadoria, bem, ou serviço prestado.

Dado que o contribuinte não tenha caixa para pagar seu imposto hoje, até as 16:00 hs, passado um segundo após este prazo, incorre o mesmo em ter sobre seu imposto o acréscimo de multas extravagantes irrazoáveis, irracionais. No mês seguinte, estando ele em débito ainda, não conseguirá amealhar recursos suficientes para quitar o mês anterior e verá que sua situação passará a ser de total descontrole tributário, criando contra si um moto contínuo fulminante,  porque estará ele inscrito no CADIN, no SERASA, não obterá Certidão Negativa, não receberá pagamento devido pelos entes públicos, terá seu cheque especial cancelado e sequer terá talonário de cheques a sua disposição, não participará de licitações,  passando eventualmente pela necessidade de a cada pagamento obter um única folha de cheque. Enfim, não obtendo sequer crédito bancário, estará o contribuinte expulso da economia formal, e passará ao desespero da informalidade.

Feito isto participará timidamente da economia gerando empregos sem carteira assinada e sem recolher suas contribuições e de seus empregados. O sistema é assim, com muitas portas de saída, e existe apenas uma de retorno que é a anistia tributária, quando houver condições financeiras do mesmo em comparecer e quitar seu tributo, sem multas, correção e juros, em débito há muitos anos.

Isto não é razoável. É distorção. É inaceitável. As multas tributárias  servindo como mais um instrumento de coação, não precisam ser maiores do que 10% sobre o valor do imposto devido. Outras coações organizadas criou o Estado, como a execução, a penhora, o arresto, a inscrição no CADIN, a indisponibilidade dos bens, da receita, a baixa de inscrição na fazenda pública, o cancelamento do CNPJ dentre outros.

Estabelecendo-as em 10% teria o Estado já recebido o que é seu, porque facilitaria o pagamento do débito a qualquer tempo, pelos contribuintes brasileiros, empresas e pessoas físicas, e não criaria condições inaceitáveis de anistia fiscal, como a que está sendo proposta de forma que a imprensa já entendeu, como casuística e criadora de mais este privilégio ao capital internacional. 

As multas como tenho afirmado, se quisermos uma economia dinâmica devem servir como instrumento de libertação do contribuinte e não, como se vê, a sua opressão.


Ricardo Corrêa Dalla
Mestre em Direito Tributário, advogado

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